sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Dr. Egídio Guimarães, 101º Aniversário do seu Nascimento

Ocorre, no próximo dia 04 de Julho, de 2015, o 101º aniversário do nascimento do Dr. Egídio Guimarães. No suplemento CULTURA, de 27/08/2014 do “Diário do Minho ”tive, então, oportunidade de, em breves palavras, manifestar o meu singelo testemunho acerca de tão notável figura da cultura bracarense da 2ª metade do século XX. Hoje permito-me acrescentar algo mais, desta feita para sublinhar alguns escritos de duas personalidades bem conhecidas que, tal como eu e muitos outros, mais de perto com ele privaram: o Dr. Armando Malheiro Dias e o escritor Altino do Tojal.

1. Na “Bracara Augusta”, vol. XLIII, nºs 94/95 (107/108), Anos de1991/1992, Câmara Municipal de Braga, escreve, nomeadamente, Armando Malheiro da Silva:

“ A minha relação pessoal com o Dr. Egídio Guimarães começou, cresceu e consolidou-se sob o signo do deslumbramento. Há cerca de vinte anos um jovem liceal, dividido entre a hipótese de cursar Direito e a atracção irresistível pela História, deixou-se tocar pelo mágico e subtil fascínio de um Homem, admiravelmente culto, que marcava presença num curso de Arqueologia, ministrado pelo saudoso Cónego Arlindo Ribeiro, no Palácio dos Biscainhos. (… ) Em ambiente tão sugestivo ocorreram as primeiras conversas, tímidas e formais, entre um miúdo à procura do Saber, dentro e fora dos livros, e um Senhor (…), aparentando muita mais idade. Um Senhor que tratava os novos como seus convivas. Era surpreendente!” E mais adiante: “Hoje sei que nesse encontro nasceu um sonho: conviver e trabalhar, sob o olhar zeloso e o estímulo seguro do Dr. Egídio.” (… ) “Era um erudito completo e cidadão politicamente atento, que dominava as mais diversa línguas (incluindo o Latim, é claro!).

E prossegue Armando Malheiro da Silva: “Herdeiro intelectual do Dr. Alberto Feio, bibliotecário e director marcante, o Dr. Egídio Guimarães não foi, certamente, um inovador, mas soube gerir a continuidade com muito tacto e muita generosidade. Um subalterno não era um mero autómato submisso: era uma pessoa com qualidades e defeitos, com ambições e problemas para serem ouvidos e satisfeitos, na medida do possível. O Dr. Egídio sempre se predispôs a ouvir e a consolar os espíritos amargurados. Recusou a postura autoritária típica dos “mangas de alpaca” promovidos a donos do seu bafiento universo e praticou, antes, aquilo a que eu chamaria a “tolerância maiêutica”, ou seja, a exigência do cumprimento do dever através do apelo subtil à consciência do outro.” (…) “Reformado em 1984… não abandonou gabinete, nem se despediu dos colaboradores, porque a instituição e as pessoas souberam dizer-lhe, muito naturalmente e sem complicações burocráticas, ou intenções perversas, quanto estimavam e precisavam da sua presença…” 

2. De uma entrevista do escritor Altino Tojal, respigámos a seguinte passagem: ”Regressei a Braga, onde o director da Biblioteca Pública, Dr. Egídio Guimarães, me contratou para fazer uns pequenos serviços… 

(…)

- “ Com a escrita sempre presente…

- Sim, vivia exclusivamente para a literatura.

- Nunca pensou noutra coisa?

- Nunca, apenas em escrever. Nascera para escrever, nada mais interessava. Convivia na Biblioteca com pessoas cultas, entre quilómetros de calhamaços fascinantes…O director da Biblioteca apreciava deveras as coisas que eu escrevia e não descansou enquanto não as publiquei em livro. Estava bem mais impaciente que eu… Custa a crer, mas garanto que eu não tinha ansiedade nenhuma em publicar aquilo que seria “Os Putos”. Era capaz de estar dias e noites virado a uma só página. Mas enquanto não considerasse que ela estava em condições de ser apresentada ao Dr. Egídio Guimarães…

- Ele funcionava como crítico?

- Como um crítico consciencioso e benévolo. (…) Era um intelectual de fino trato, com cavalheirismos de antanho, amigo discreto mas sólido, um espírito nobre, o embaixador ideal para interceder junto do Eterno pela mesquinha Humanidade.

Também intercedia por mim junto das personagens “de peso” que o visitavam na Biblioteca, mostrando-lhes o meu livro “ Sardinhas e Lua” acabado de publicar e exagerando-lhe talvez os méritos. Foi em boa parte graças a ele que estabeleci contactos com o “Jornal de Notícias”, do Porto, e comecei a experiência jornalística…”

3. Faceta não menos curiosa do Dr. Egídio, um “monárquico profundamente católico, naturalmente conservador, mas tolerante”, era a de benfeitor, tendo doado diversos bens imobiliários, tais como, por exemplo, os terrenos onde está implantada a Escola EB1 de Fraião, ou o Centro Toutinegra da APPACDM, também em Fraião. Mesmo quando pôs à venda alguns terrenos, estes eram a preços tão baixos que houve quem espalhasse a notícia de que havia um senhor em Fraião que “dava terrenos”. Quando uma das filhas “politicamente de esquerda”, soube desse boato, avisou o pai. Naquela simplicidade que lhe era tão peculiar o Dr. Egídio, sempre muito simpático e sorridente, apenas gracejou: “afinal de contas, apenas pratico o socialismo, partilhando os bens com os mais pobres…”

4. O Dr. Egídio Guimarães era, de facto, uma verdadeira “avis rara”do meio cultural bracarense! Seu grande amigo e admirador, a ele dedicou o Dr. Henrique Barreto Nunes três excelentes artigos no suplemento CULTURA deste jornal, datados de 02 de Julho, 09 de Julho e 17 de Setembro de 2014, e cuja leitura vivamente recomendo. Com a devida vénia, aqui se reproduz o pequeno extracto de um deles:

“Em Julho passado, no mês em que se celebrava o centenário do nascimento de Egídio Guimarães, a Biblioteca Municipal Rocha Peixoto…dedicou-lhe uma exposição bibliográfica e documental, de que foi publicado o imprescindível catálogo… A publicação inclui o texto da proposta apresentada pela Comissão de Toponímia e fotos da rua e respectiva placa, uma biografia cuidadosamente ilustrada, a reprodução de uma carta dirigida a Flávio Gonçalves e excertos do texto que EAG lhe dedicou no vol.26 do “Boletim Cultural”, uma bibliografia e ainda o artigo em sua memória publicado no “Diário do Minho” (secção “Entre Aspas”) em 30 de Junho, de 2014. Ficou assim recordada a figura de Egídio A. Guimarães, celebração que a Câmara Municipal de Braga ainda não soube fazer, apesar deste homem de cultura ter sido vereador em duas ocasiões e ter servido sempre devotadamente o concelho…” - Henrique Barreto Nunes, in “Diário do Minho”, 17/09/2014.

5. Homem desprovido de toda e qualquer vaidade, ou dispensáveis protagonismos sem sentido, o Dr. Egídio sempre pautou a sua conduta por gestos simples e afectos admiráveis. Após o artigo por nós enviado, em 28/08/2014, à Senhora Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Braga e em que sugeríamos “um busto condigno em local nobre da Biblioteca Pública/Arquivo Distrital de Braga…” – “Diário do Minho”, 27/08/2014 – foi-nos comunicado, por e-mail de 02/10/2014, que o mesmo tinha sido “encaminhado para o serviço competente”. Infelizmente e quanto a factos concretos, até hoje, nada de novo, a não ser a nossa persistência e firme convicção de que todo este atraso não tenha passado de um lamentável esquecimento por parte de quem de direito. “ Egídio Guimarães foi uma personalidade que deixou marcas impressivas na vida cultural bracarense do séc.XX” – Henrique Barreto Nunes – in “Diário do Minho”, de 09/07/2014 – mais acrescentaremos nós: Egídio Guimarães deixou em Braga, pelo menos para os mais esclarecidos e atentos cidadãos, um rasto cultural bem difícil de passar despercebido, como, aliás, foi unanimemente reconhecido pela Assembleia Municipal, aquando do “VOTO DE PESAR”, exarado em 02 de Março de 1991: “O Dr. Egídio Guimarães distinguiu-se, em primeiro lugar e antes de tudo, pela sua visão e vivência Humanista da sociedade” (…) “ A sua luta pela defesa e divulgação da cultura bracarense, bem como do seu espólio cultural, transformou este Homem num verdadeiro defensor da vida cultural como forma de defender esse princípio tão português, como é o MUNICIPALISMO”.

6. Por conseguinte, a nossa sugestão, ou outra que se entenda como mais adequada, mantem-se perfeitamente actual; aliás, é uma questão de pura justiça e esta, como é evidente, não se mendiga, exige-se. 

BRAGA, Junho de 2015

Domingos Alves,
Vogal para a Educação e Cultura da Junta da Freguesia de S. Vicente.



PS. De entre os numerosos trabalhos publicados, salientamos os seguintes:


“Os Lusíadas e a Independência de Portugal”, in Homenagem da Academia de Braga aos Restauradores da Pátria, 1933, Nº único;

Balâne, in Aos Heróis de 1640, Academia de Braga, 1934. Nº único;

“Congresso Histórico de Portugal Medievo: catálogo da exposição historiográfica no Salão Medieval Superior da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga. Braga: Câmara Municipal de Braga, 1959;

TOJAL, Altino do – “Sardinhas e Lua”: contos. Braga: Editora PAX, 1964. Prefácio;

“A Cúria Régia de Braga de 872 e o Conde Vímara Peres. Braga: Câmara Municipal, 1968. Trabalho elaborado em colaboração com Sérgio da Sila Pinto;

PINTO, Sérgio da Silva – “Estudos e Comentários”. Braga: Câmara Municipal, 1973. Vol. I. Pórtico.

Cónego Arlindo Ribeiro da Cunha: breve biografia. “O Distrito de Braga”, 2ª série. Braga, 1977;

“Uma página de memórias. À laia de prefácio”. Braga, 1986. In MONTEIRO, Manuel – Dispersos, inéditos e cartas: ASPA 1980. pp. V/XV;

“Morte e ressurreição de um palácio”. Braga: ASPA, 1985;

“O meu amigo Gervásio e sua filha catedrática”. Braga: APPACDM, 1986;

“Arquivos: a herança sagrada”. In “Forum”, nº 8, Arquivo Distrital de Braga, 1990. Pp 21/32 Conferência pronunciada na U.M. em 23/05/1986;

“Álvaro Carneiro: in memoriam”. In “Mínia”, nº 8, ASPA, 1986, 313/318;

TOJAL, Altino do – “Os Putos”. Lisboa, 1989. Edição comemorativa do 25º aniversário de “Os Putos” (1964/1989). Prefácio;

“Sete Cartas de Alexandria: uma trilogia: Manuel Monteiro, Albano Justino, Lopes Gonçalves e Braga. In Revista “Bracara Augusta”, Câmara Municipal de Braga, Vol. XL, 1986/1987

“Depoimento sobre o Parque Nacional de Peneda –Gerês e a abertura da Portela do Homem”. In “Giesta”, nº 2, 1980;

“O Arquivo Distrital de Braga”. Nota Explicativa e Informativa para a U. M. Texto elaborado para a comemoração do IX centenário da dedicação da Sé Catedral Bracarense e o insigne e famoso bispo D. Pedro. Associação Comercial de Braga, 1989;

Muita e variada publicação em jornais e revistas, nomeadamente nos periódicos bracarenses “Diário do Minho” e “Correio do Minho”;

Foi autor de traduções do italiano, do francês e do romeno;

O seu espólio literário e de investigação contempla, ainda, uma boa série de trabalhos inacabados, bem como outros por publicar. Exemplo: “A dúvida metódica em Francisco Sanches, precursor de Descartes: o Quod nihil scitur”.

Nota. Um agradecimento muito especial ao meu amigo Dr. Fernando Guimarães pela cedência de fotos e abundante informação histórica e biobibliográfica que me facultou para a elaboração deste artigo.